Sumário: 1. Introdução: Histórico legislativo do
incentivo denominado crédito-prêmio do IPI. 2. A natureza jurídica do
direito ao crédito-prêmio do IPI. 3. Inviabilidade de delegação de
competência conferida privativamente ao Decreto-lei. Efeitos da decisão
que declarou a inconstitucionalidade da expressão "ou extinguir"
veiculada pelo Decreto-lei 1.724/79. 4. O artigo 41 do ADCT. 5. A
superveniência da Lei 8.402/92 e o crédito-prêmio do IPI. 6. As
regras-matrizes do direito ao crédito-prêmio do IPI. 7. O prazo para o
ressarcimento dos valores devidos a título do crédito-prêmio do IPI. 8.
Formas de ressarcimento. 9. Demandas judiciais adequadas à obtenção do
reconhecimento do direito ao crédito-prêmio do IPI. 10. Conclusões. 11.
Referências Bibliográficas.
1.Introdução: Histórico legislativo do incentivo
denominado crédito-prêmio do IPI.
Movido
pelo propósito desenvolvimentista e premido por necessidades econômicas
e sociais, o Governo Federal editou o Decreto-lei 491, de 5 de março de
1969, por meio do qual instituiu um incentivo às exportações de produtos
manufaturados consubstanciado no direito ao aproveitamento de créditos
incidentes sobre o montante das vendas destinadas à exportação, como
meio de ressarcimento de tributos pagos internamente. Posteriormente, o
Decreto-lei 1.248, de 29 de novembro de 1972, ampliou o incentivo para
também abranger as operações pelas quais o produtor vende sua produção
no mercado interno a empresa comercial exportadora, desde que com o fim
de destiná-la ao exterior. Em suma, o produtor tinha assegurado o
direito ao crédito-prêmio tanto quando realizava diretamente a
exportação, como naquelas oportunidades em que vendia os produtos no
mercado interno a empresa que os destinasse ao exterior.
Passados
alguns anos, o Presidente da República expediu o Decreto-lei 1.658, de
24 de janeiro de 1979, estabelecendo a extinção gradual do incentivo,
até sua eliminação total a partir de 30 de junho de 1983 (artigo 1º, §
2º). Pouco tempo depois, veio a lume o Decreto-lei 1.722, de 3 de
dezembro 1979, prevendo a extinção gradual da subvenção até 30 de junho
de 1983 (artigo 3°). Quatro dias depois, o Presidente da República
baixou o Decreto-lei 1.724, de 7 de dezembro de 1979 (artigo 1º),
revogando a regra que estabelecia a supressão, mas delegando competência
ao Ministro da Fazenda para aumentar ou reduzir, temporária ou
definitivamente, como também extinguir o direito ao crédito nas
referidas operações destinadas à exportação. E, de fato, como era de se
esperar, provavelmente pressionado por contingências inerentes à
arrecadação, o Ministro da Fazenda baixou a Portaria 960/79, que
declarou extinto o direito ao crédito-prêmio a partir de 30 de junho de
1983.
Prosseguindo,
o artigo 1º do Decreto-lei 1.894, de 16 de dezembro de 1981,
restabeleceu o estímulo sem definição de prazo e o estendeu às empresas
comerciais que realizassem operações de exportação, mediante a alteração
da redação originária do artigo 3° do Decreto-lei 1.248/72
(1). Mas novamente delegou-se competência ao Ministro da Fazenda
para extinguir o direito ao crédito-prêmio (art. 3º do Decreto-lei
1.894/81). E é interessante destacar que o estímulo fora extinto por
força de outra Portaria baixada pelo Ministro da Fazenda, mas que
antecede o Decreto-lei 1.894/81. Trata-se da Portaria 78, de 1º de abril
de 1981, que também previa a extinção de forma gradativa até 30 de junho
de 1983, oportunidade em que cessaria por completo. E, finalmente, desta
vez sob o pálio desse decreto-lei, as Portarias 252, de 29 de novembro
de 1982 e 176 (2), de 12 de setembro de 1984, ambas do
Ministro da Fazenda, extinguiram o direito ao crédito-prêmio com efeitos
a partir de 1º de maio de 1985. Portanto, a conclusão a que se chega no
que concerne à existência do direito ao crédito-prêmio do IPI, é que
decretos expedidos pelo Ministro da Fazenda extinguiram-no. Resta saber
se tais instrumentos são legítimos para o fim de disciplinar o
assunto.
À
vista disso, é pressuposto para que as demais questões pertinentes ao
direito ao crédito-prêmio do IPI possam ser examinadas, que nos
posicionemos a respeito da validade das normas que delegaram competência
ao Ministro da Fazenda no que tange à prerrogativa de extingui-lo. Mas,
antes ainda, é fundamental que seja delimitada a natureza jurídica desse
incentivo, tarefa que iniciaremos agora.
2.A natureza jurídica do direito ao crédito-prêmio do
IPI
Durante
o julgamento do Recurso Extraordinário 186.359-5, que resultou na
declaração da inconstitucionalidade da expressão "ou extinguir"
constante do artigo 1º do Decreto-lei 1.724/79, discutiu-se – embora
essa não fosse a questão central – se o crédito-prêmio do IPI, no modo
em que foi instituído pelo artigo 1º do Decreto-lei 491/69, possuía
natureza jurídica de incentivo fiscal ou um crédito financeiro. A
propósito, o Ministro Ilmar Galvão sustentou:
Trata-se, portanto, não propriamente de um
incentivo fiscal, mas de um crédito-prêmio, de natureza financeira,
conquanto destinado à compensação do IPI recolhido sobre as vendas
internas ou de outros impostos federais, podendo, ainda, ser
residualmente pago ao contribuinte em espécie, conforme previsto no art.
3º, § 2º, letra "b", do mencionado Regulamento. (....) Pedi vista do
processo exatamente para verificar a natureza desse benefício; para ver
se se trata ou não de benefício fiscal. E parece que ficou claro, aqui
no meu voto, que, na verdade não se trata de um benefício fiscal, não é
uma redução ou isenção de imposto, é antes um mero prêmio à exportação.
Então, não é o caso de incidência de norma do Código Tributário
Nacional, embora o Decreto-lei 1.724 impropriamente tenha falado em
crédito tributário.
Nessa
linha, o então Procurador-Geral da Fazenda Nacional, Cid Heráclito de
Queiroz (3), sustentou que o incentivo em causa teria
natureza de um crédito pertencente ao gênero fiscal e da espécie
financeira:
Nesse ponto nuclear, descaracteriza-se,
substancialmente, o pretendido "ressarcimento", porquanto o exportador
poderá utilizar o crédito concedido pela Fazenda para pagar tributo que
não haja onerado o produto exportado e, até mesmo, transforma-lo em
espécie, ou seja, em prêmio financeiro, "stricto sensu". Evidencia-se,
pois, que o vocábulo crédito foi empregado na acepção de direito de
compensar tributos federais, devidos ou de haver dinheiro em espécie.
Portanto, os incentivos gerados à luz do Dec.-lei 491,de 5.3.69, são de
natureza financeira. E, conseqüentemente, são inaplicáveis à espécie as
disposições contidas no Código Tributário Nacional (Lei 5.172, de
25.10.66).
De
um modo geral, são utilizados indistintamente alguns signos, como
subsídio, isenção, crédito presumido, manutenção de crédito,
ressarcimento, redução de alíquota ou base de cálculo, alíquota zero,
dilação de prazo, parcelamento, anistia, remissão etc., para se reportar
aos gêneros benefício fiscal e incentivo fiscal. O que há de comum entre
ambos é que são relativos à matéria tributária e atuam como instrumentos
destinados a atenuar, reduzir ou eliminar os efeitos da tributação, de
forma direta ou indireta. A diferença é que o benefício é estático,
enquanto o incentivo é dinâmico. O benefício é concedido à vista de um
fato consumado, visando amenizar uma situação gravosa ao contribuinte;
nesse gênero, incluem-se a anistia, a remissão, o parcelamento.
O
incentivo, em contrapartida, tem caráter dinâmico e programático, uma
vez que objetiva obter resultados de índole extrafiscal ao longo do
tempo, tais como a diminuição de desigualdades nacionais e regionais, o
incentivo à economia, o fomento a determinados setores produtivos ou
regiões etc. Fazem parte desse gênero, a isenção, as reduções de
alíquota e base de cálculo, a alíquota zero etc.
A
Constituição de 1988 outorgou competência para que os entes da federação
promovessem estímulos de ordem tributária, desde que por meio de lei
específica. Com efeito, o § 6º do artigo 150 prescreve:
Art. 150 -. ...
....
§ 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução da
base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão,
relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido
mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule
exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo
ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII,
g.
Percebe-se
que o texto constitucional faz alusão indistintamente a vários
institutos, como isenção, subvenção, remissão, para limitar a
competência dos entes da federação no tocante à instituição de favores
que se referem a impostos, taxas e contribuições. É intuitivo que a
utilização do vocábulo "relativo" no texto e no contexto desse preceito
constitucional revela que os citados favores, quando instituídos, devem
se referir, direta ou indiretamente, a algum tributo. Mas será a forma,
o modo de realização, que diferenciará um incentivo rigorosamente
fiscal, visto que os instrumentos utilizados atingem o plano da
regra-matriz de incidência tributária (4) ou o montante
devido em determinado período, de outros estímulos que, conquanto sejam
"relativos" a tributos, não são governados pelo direito tributário.
Nota-se
ademais que o texto transcrito reporta-se ao artigo 155, § 2º, inciso
XI, letra g, o qual dispõe que cabe à lei complementar "regular a forma
como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções,
incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados". Veja-se
que é feita alusão a incentivos e benefícios fiscais como categorias
distintas, embora a isenção, que reputamos ser modalidade de incentivo,
tenha sido mencionada à parte. Em se tratando do ICMS, o artigo 1º,
parágrafo único, inciso IV, da Lei Complementar 24/75, recepcionado pelo
referido dispositivo constitucional, prescreve que cabe ao convênio
entre Estados e Distrito Federal disciplinar "incentivos ou favores
fiscais ou financeiros-fiscais, concedidos com base no Imposto sobre
Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação,
direta ou indireta, do respectivo ônus". Chama-se a atenção para o
emprego das locuções "favores ou incentivos fiscais" e "favores ou
incentivos fiscais-financeiros", denotando, a nosso ver, que os
primeiros são concedidos por meio da regra-matriz de incidência
tributária ou implicam diminuição do valor da prestação, ao passo que os
demais não, embora possam ser aproveitados ou usufruídos por meio dos
tributos.
Tércio
Sampaio Ferraz Junior (5), em oportuno estudo, interpreta
essa regra à luz do texto constitucional de 1988:
Ter por base significa tomar o ICMS como
referência. Esta referência pode ser expressa ou implícita. Não é, pois,
necessário que um incentivo se configure a partir de valores expressos
no recolhimento do ICMS devido pelo financiado, bastando, por exemplo,
que um financiamento para investimento no Estado tome por indicativo, na
delimitação dos valores financiáveis, o volume da receita do ICMS
globalmente tomado. A mera correlação indicativa dos respectivos valores
– do financiamento e do imposto devido – já seria uma forma pela qual se
estaria tomando por base o imposto.
Por sua vez, a redução ou eliminação do
respectivo ônus também não precisa ocorrer de forma direta, podendo ser
inferida de exonerações indiretas, como a que ocorreria por meio de
vantagens advindas de prazos suficientemente largos para caracterizar,
num regime de inflação, o pagamento efetivo a menor do imposto
devido.
Valendo-se
dessa interpretação, observa-se que o Decreto-lei 491/69, ao instituir o
crédito-prêmio, tomou por base o IPI e os demais tributos incidentes
sobre a fabricação de produtos destinados à exportação (contribuições
sociais sobre o faturamento e o lucro, imposto sobre a renda etc.),
visando a redução - e até mesmo a eliminação, conforme o caso - do ônus
tributário relativo a esses tributos.
Todavia,
a realidade é que conquanto a referida modalidade de favor – o
crédito-prêmio do IPI - esteja referida a tributo, atuando, direta ou
indiretamente, no âmbito da carga tributária das empresas exportadoras,
a realidade é que as respectivas regras não atuaram na regra-matriz de
incidência de nenhum tributo, nem tampouco implicam a redução do
montante da prestação tributária. Não se imiscuíram no setor da
hipótese, da sujeição passiva ou ativa, da base de cálculo ou da
alíquota (6). Se tivessem-no feito, estaríamos diante de um
incentivo tipicamente fiscal. Mas como não o fizeram, forçosa é a
conclusão de que se trata de incentivo de índole financeira, que embora
referido à tributação, não se sujeita ao quadrante do regime jurídico
tributário.
De
fato, há institutos que se subsumem perfeitamente ao regime jurídico do
direito tributário, como a isenção, a alíquota zero e a redução de base
de cálculo, precisamente porque tocam, direta ou indiretamente, a
regra-matriz de incidência ou o valor da prestação tributária. Mas há
outros, como é o caso das subvenções, que conquanto possam ser
concretizados por meio da tributação, configuram categorias jurídicas
que pertencem ao domínio do direito financeiro, caracterizando-se,
portanto, como espécie de incentivo financeiro. À luz dessas
observações, não é porque um determinado estímulo é concretizado pela
via do tributo que se trata de um incentivo fiscal no sentido
estritamente jurídico. Na seara do direito, o incentivo fiscal é aquele
que é concretizado por meio de institutos próprios do direito
tributário.
Rigorosamente,
o crédito-prêmio do IPI constitui uma forma de subvenção, que é definida
pelo artigo 12, § 3º, da Lei 4.320, de 17 de março de 1964:
Art. 12.
§ 3º. Consideram-se subvenções, para os
efeitos desta Lei, as transferências destinadas a cobrir despesas de
custeio das entidades beneficiadas, distinguindo-se como:
I - subvenções sociais, as quais se destinem a
instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural
sem finalidade lucrativa;
II - subvenções econômicas, as que se destinem
a empresas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial,
agrícola ou pastoril.
Em
estudo que versou sobre o tema "subvenção financeira, isenção e deduções
tributárias", Souto Maior Borges (7) estabelece a distinção
entre essas categorias:
Do mesmo modo, a meditação sobre o sistema
tributário nacional autoriza ainda o discernimento entre incentivos
puramente fiscais (tributário) e incentivos estritamente financeiros.
Aqui, como em outros seguimentos do ordenamento jurídico, essa distinção
decorre da relevante diversidade do regime jurídico contemplado para
ambos os tipos de estímulos legais. Adicionam-se então aos
generalizadamente denominados incentivos fiscais – qualificativo aqui
utilizado estipulativamente para designar os incentivos que atuam por
via tributária – os incentivos financeiros stricto sensu, tais como os
subsídios, facilidades creditícias, prêmios de exportação. Assim
rigorosamente, esses incentivos financeiros são inconfundíveis com os
incentivos ditos fiscais. O motivo dessa diversidade conceitual é
fornecido, ainda aqui, pelo regime jurídico distinto com que foram
disciplinados no Direito Positivo brasileiro, como se verá em
seguida.
Destaca
ainda o autor:
Importa desde logo advertir que, para a
fixação do regime jurídico da subvenção financeira, não cabe o recurso a
conceitos e categorias econômicas. Nada obstante, como acentuou Júlio
Nievas Borrego, em exaustivo trabalho, o exame cuidadoso, tanto das
elaborações doutrinárias como das disposições legislativas, conduz ao
convencimento de que, na generalidade dos casos, foram as circunstâncias
totalmente extrajurídicas que deram lugar às fórmulas definitórias da
subvenção.
Com efeito, economicamente isenção e subvenção
são tidas por alguns como categorias idênticas, porque produziriam os
mesmos efeitos, juridicamente essa identidade não se verifica, porque há
um critério de discriminação formal entre ambas, adotado e prestigiado
pelo sistema. O Direito deforma o dado econômico, dando-lhe tratamento
diverso, apreensível à luz de uma metodologia inconfundível com a da
ciência econômica, ao transforma-lo numa realidade essencialmente
diversa, porque normativa.
Essa equiparação entre subvenção e isenção, no
plano econômico, decorreria do fato de que a isenção tem um custo
equivalente ao de uma subvenção. Teoricamente, poder-se-ia substituir o
sistema de isenções por um sistema de subvenções que teria a vantagem de
oferecer o custo social decorrente desse último incentivo. É esta, a
toda evidência, uma colocação extrajuridica na análise dessas
categorias, que refoge assim ao plano jurídico de apreensão conceitual
da subvenção financeira.
Esse ângulo entretanto, apenas aflorado neste
trabalho, é inteiramente irrelevante para as preocupações do jurista. Ao
Direito interessam apenas as realidades normativas, de índole formal, e
não a substância econômica subjacente a essas realidades normativas e
que, consoante exposto, ao receber a formulação da norma jurídica,
deformaram necessariamente as categorias econômicas.
Por isso, afastadas quaisquer considerações de
ordem econômica, uma definição puramente jurídica de subvenção é
formulada por Júlio Nievas Borrego, como sendo uma "donación modal ob
causam futuram, de Derecho Administrativo, por la cual el organismo
público asume parte de la carga financeira de otro organismo de rango
inferior o de um particular – que tenga juridicamente la consideración
de terceros – con una finalidad de interes general, pero especifica y
determinada".
Segundo o autor, a subvenção é outorgada em
princípio para o cumprimento de uma finalidade determinada, e não se for
cumprida uma finalidade determinada."
Qualquer que seja o valor que se atribua a
essa definição do autor espanhol, é certo que a subvenção pressuporia
juridicamente, se ocorresse na hipótese, a extinção da relação
tributária e, pois, o retorno de receita pública ao ente subvencionado,
pelo mecanismo da despesa pública. Essa circunstância, ao contrário,
jamais se verifica nas hipóteses legais de isenção, que impedem o
próprio surgimento da obrigação tributária.
Essa diferenciação é fundamental porque, só
ela, basta para fornecer ao intérprete critério seguro de distinção
entre isenção e subvenção, identificável no confronto entre essas duas
categorias jurídicas.
A subvenção é um ato translativo de domínio,
que implica sempre um dare, enquanto a isenção não implica aquisição
alguma, implicando, ao contrário, um non dare. (8)
O
conceito de subvenção é assim formulado por Souto Maior Borges
(9):
O conceito de subvenção está sempre associado
à idéia de auxílio, ajuda – como indica a sua origem etimológica
(subventio) - expressa normalmente em termos pecuniários. Entretanto, se
bem que a subvenção, em Direito Civil, constitua uma forma de doação,
caracterizando-se, portanto, pelo seu caráter não compensatório, no
Direito Público, particularmente no Direito Financeiro, embora também se
revista de caráter não remuneratório e não compensatório, deve
submeter-se ao regime jurídico público relevante. A subvenção pressupõe
sempre o concurso de dinheiro ou outros bens estatais. É categoria de
Direito Financeiro e não de Direito Tributário. Mostra-se nesses termos,
inconfundível com a isenção como excelentemente demonstram Geraldo
Ataliba e Celso Antonio Bandeira de Mello.
No
mesmo sentido, é a posição de Geraldo Ataliba e Celso Antonio Bandeira
de Mello (10):
As subvenções, assim como as despesas, têm
origem nos cofres públicos, dos quais só saem dinheiros autorizados por
lei. Esses dinheiros, por sua vez, estão confundidos, neles não se
distinguindo as procedências. Ingressados os dinheiros nos cofres
públicos, não cabe discernir donde vieram. Encerra-se o capítulo
‘receita pública’. Inicia-se nova fase no iter dos dinheiros públicos,
fase esta que se vai esgotar na despesa, regida por outros princípios e
normas, sem qualquer conexão jurídica com as fases
precedentes.
A
Lei Complementar 101, de 5 de maio de 2000, prescreve explicitamente que
os incentivos fiscais estão relacionados com a receita pública, ao
contrário das subvenções que estão afetas à disciplina da despesa. O
artigo 14 prescreve que "A concessão ou ampliação de incentivo ou
beneficio de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita
(...)", denotando com isso que toda vez que a pessoa política competente
conceder um incentivo ou benefício fiscal estará abrindo mão de um
parcela de sua receita. E quanto a esse aspecto, é importante lembrar
que a teor do artigo 9º da Lei 4.320/64: "Tributo é a receita derivada,
instituída pelas entidades de Direito Público, compreendo os impostos,
as taxas e contribuições, nos termos da Constituição e das vigentes em
matéria financeira, destinando-se o seu produto ao custeio de atividades
gerais ou específicas exercidas por essas entidades". Logo, se o favor
concedido pelo Estado não implicar renúncia de receita, mas sim despesa,
estar-se-á diante de um estímulo financeiro, como é o caso da subvenção.
Configura-se a despesa precisamente pelo fato de o Estado não abdicar de
uma fatia dos seus recursos, mas transferir, pelas formas mais diversas,
valores que já ingressaram no cofre público. É o ocorre com o
crédito-prêmio do IPI, uma vez que o Estado não deixa de arrecadar
importâncias devidas a título de tributo, mas sim transferir, por meio
do ressarcimento, valores resultantes da aplicação de determinadas
alíquotas sobre o montante do produto exportado.
Assim,
o crédito-prêmio do IPI constitui espécie de estímulo financeiro,
conquanto se refira ao IPI e a outros tributos federais, para reduzir o
impacto tributário existente sobre a produção, visando estimular as
exportações e prestigiar o princípio da não-cumulatividade e as
imunidades concedidas aos negócios internacionais. Mas como não penetra,
para modificar ou mutilar, o terreno da regra-matriz de incidência, nem
tampouco implica diminuição do montante da prestação tributária, é
impróprio atribuir-lhe a condição de espécie de incentivo fiscal.
3.Inviabilidade de delegação de competência em matéria
conferida privativamente ao Decreto-lei. Efeitos da decisão que declarou
a inconstitucionalidade da expressão "ou extinguir" veiculada pelo
Decreto-lei 1.724/79
Cumpre
reiterar que os Decretos-lei 1.724/79 e 1.894/81 delegaram competência
ao Ministro da Fazenda atribuindo-lhe o poder de extinguir o direito ao
crédito-prêmio do IPI:
Art. 1º O Ministro de Estado da Fazenda fica
autorizado a aumentar ou reduzir, temporária ou definitivamente, ou
extinguir os estímulos fiscais de que tratam os artigos 1º e 5º do
Decreto-lei nº 491, de 5 de março de 1969." (DL 1.724/79)
"Art. 3º O Ministro da Fazenda fica
autorizado, com referência aos incentivos fiscais à exportação,
a:
I – estabelecer prazo, forma e condições, para
sua fruição, bem como reduzi-los, majorá-los, suspendê-los ou
extingui-los, em caráter geral ou setorial; (DL 1.894/81)
E,
como pode ser observado, as Portarias 960/79, 252/82 e 176/84
efetivamente extinguiram o direito ao incentivo, com efeitos a partir de
diferentes datas.
À
época em que foram baixados os Decretos-lei em questão, estava em vigor
a Constituição de 1967, com a Emenda de 1969, que albergava o princípio
da legalidade, com a nuance de que também competia ao Presidente da
República baixar decreto-lei visando a disciplina de certas matérias,
dentre elas "finanças públicas, inclusive normas tributárias", a teor do
art. 55, inciso II. E neste caso a competência outorgada pela
Constituição tem caráter verdadeiramente legislativo. Logo, ao baixar
decreto-lei com o fito de disciplinar algum dos assuntos enunciados nos
incisos do art. 55, dentre eles "finanças públicas, inclusive normas
tributárias", o Presidente da República estaria exercendo função
tipicamente legislativa. Não se tratava, portanto, de "delegação
legislativa", mas sim de regra de competência outorgada pelo próprio
texto constitucional.
A
par disso, a Constituição 1967 continha dois enunciados que bem
retratavam o papel do decreto-lei naquela época, como também os limites
da delegação de atribuições aos Ministros de Estado. O artigo 6º,
parágrafo único, dispunha: "Salvo as exceções previstas nesta
constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições; quem
for investido na função de um deles não poderá exercer a do outro." E a
Constituição de 1967, com as alterações posteriores, não previa a
possibilidade de o Presidente da República delegar atribuições em
matéria de finanças públicas ou direito tributário, precisamente porque
o art. 55, inciso II, outorgava competência ao Presidente da República –
não aos Ministros de Estado – para disciplinar esses temas.
Outro
aspecto que merece ser abordado consiste na possibilidade conferida ao
Presidente da República de delegar atribuições ao Ministros de Estado
ex vi do artigo 81 da Constituição de 1967. No elenco das
hipóteses previstas pelo texto constitucional não é possível, contudo, o
enquadramento de qualquer matéria pertinente às finanças públicas ou
normas tributárias. E isso é óbvio à vista do sistema constitucional do
período, na medida em que a competência para se legislar sobre tais
matérias foi deferida ao Presidente da República, a teor do art. 55,
inciso II. Segue-se, pois, que é inadmissível a delegação de competência
aos Ministros de Estado no que concerne à disciplina de regras de
direito financeiro e direito tributário.
Resgatando
a conclusão apresentada a respeito da natureza jurídica do direito ao
crédito-prêmio do IPI, recorda-se que se trata de modalidade de
incentivo financeiro e nessa condição submete-se ao regime jurídico do
direito financeiro. O elo de ligação entre tal conclusão e a regra de
competência veiculada pelo artigo 55, inciso II, da Constituição de 1967
é, ao mesmo tempo, nítido e fundamental. Aceita a assertiva de que o
tema concernente a incentivo financeiro pertence ao direito financeiro –
conforme concluíram Souto Maior Borges, Geraldo Ataliba e Celso Antonio
Bandeira de Melo – e que por direito financeiro compreende-se o conjunto
de normas que regem as finanças públicas – conforme lição de Geraldo
Ataliba (11) –, decorre que o Presidente da República, por
meio de decreto-lei, jamais poderia ter delegado ao Ministro de Estado a
atribuição para extinguir, via portaria, um direito subjetivo que fora
concedido por diploma que lhe é superior hierarquicamente ou cujo campo
normativo foi estabelecido em caráter privativo. E é o próprio Geraldo
Ataliba (12) que endossa essa conclusão ao delimitar o campo
das finanças públicas:
Tecnicamente, finanças públicas é o nome
consagrado de um conjunto de questões ligadas aos dinheiros públicos:
sua aquisição, gestão, guarda, administração e dispêndio. Não é,
certamente, tão genérica formulação que se há de adequar a este
dispositivo constitucional. Mesmo porque estas questões todas admitem
múltiplo tratamento: econômico, político, financeiro jurídico, etc.
Como, no caso em exame, o de que se cuida da competência de um órgão (o
Presidente da República) para produzir normas, a referência implícita é
a norma sobre finanças públicas, vale dizer: direito
financeiro.
O
Tribunal Federal de Recursos teve a oportunidade de reconhecer a
inconstitucionalidade dessas delegações de competência, quando seus
integrantes julgaram, por maioria de votos, a Argüição de
Inconstitucionalidade na Apelação Cível 109.896-DF, relatada pelo
Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. O Supremo Tribunal Federal, à sua
vez, declarou, também por maioria de votos, a inconstitucionalidade da
expressão "ou extinguir" constante do texto do artigo 1º do Decreto-lei
1.724/79:
Decisão: Colhido o voto do Senhor Ministro
Moreira Alves, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu e desproveu o
recurso extraordinário, declarando a inconstitucionalidade da expressão
"ou extinguir", constante do artigo 1º do Decreto-lei nº 1.724, de 07 de
dezembro de 1979, vencidos os Senhores Ministros Maurício Corrêa, Nelson
Jobim, Ilmar Galvão e Octávio Gallotti.(...) (13)
Por
questões processuais, a decisão do STF não abrangeu a delegação de
competência conferida pelo art. 3º, inciso I, do Decreto-lei 1.894/81.
Mas os mesmos motivos que conduziram à declaração de
inconstitucionalidade do artigo 1º do Decreto-lei 1.724/79 justificam o
reconhecimento de que essa nova delegação de competência também fere a
Constituição de 1967.
Assim,
são absolutamente ineficazes as Portarias Ministeriais que "extinguiram"
o subsídio. Questiona-se neste passo se houve o restabelecimento do
direito ao crédito-prêmio. Enfim, quais os efeitos da pronúncia de
inconstitucionalidade?
Em
um sistema como o nosso, em que prevalece o princípio da supremacia
constitucional, a inconstitucionalidade constitui o vício mais grave. A
afirmação de que a inconstitucionalidade constitui um defeito do ato
legislativo exige uma tomada de postura, ainda que perfunctória, a
respeito dos planos da existência e da validade das normas jurídicas. A
esse respeito, Kelsen (14) parte do pressuposto de que a
validade é característica essencial da norma jurídica, daí porque não
haveria distinção entre os planos da validade e da existência. Se a
norma é inválida, não se pode predicar sua existência; assim, a
invalidade significa a inexistência da norma. E a validade é aferida
mediante a análise da relação de pertinência da norma com um dado
sistema (15).
Pontes
de Miranda (16), de outro turno, entende que a validade ou
invalidade da uma norma jurídica pressupõe sua existência. Nessa
perspectiva, a validade não seria da essência da norma jurídica, mas sim
uma qualidade que a ela se agregaria. Nas suas próprias palavras:
(...) para que algo valha é preciso que exista. Não tem sentido
falar-se de validade ou de invalidade a respeito do que não existe. A
questão da existência é questão prévia. Somente depois de afirmar que
existe é possível pensar-se em validade ou invalidade. Nem tudo que
existe é suscetível de a seu respeito discutir-se se vale, ou se não
vale.
Parece-nos
que realmente são distintos os planos da existência e da validade das
normas jurídicas. A existência depende da observância do procedimento
exigido para a introdução da regra no sistema, enquanto a validade ou
invalidade deve ser vista posteriormente a esse fato. Introduzida uma
norma segundo o que estabelece o sistema no que concerne ao procedimento
está afirmada sua existência. A validade, todavia, será avaliada depois,
mediante o confronto com o sistema de referência escolhido. Se houver
relação de pertinência formal e material da norma com determinado
sistema ou um dado contexto normativo, estará presente o atributo da
validade (17). Essa maneira de vislumbrar a matéria é
compatível com os princípios da presunção de constitucionalidade das
leis e da legalidade dos atos administrativos. Assim, tem-se, sem a
aceitação desses primados estaria comprometida a funcionalidade do
sistema e a própria dinâmica do direito positivo. Portanto, a validade
constitui uma qualidade da norma jurídica e não uma característica
essencial.
Retomando
o tema proposto nesta seção, importa analisar os efeitos da pronúncia
pelo STF da inconstitucionalidade da expressão "ou extinguir" que faz
parte do texto do artigo 1º do Decreto-lei 1.724/79, o qual permitia ao
Ministro de Estado extinguir o crédito-prêmio do IPI. Como vimos, a
pronúncia de inconstitucionalidade não ocorreu por meio do controle
concentrado, isto é, o STF não se manifestou em sede de ação direta de
constitucionalidade (ADC) ou ação direta de inconstitucionalidade
(ADIN). O reconhecimento da eiva verificou-se no bojo de processo em que
figuravam como partes determinado particular que invocava o direito ao
incentivo e a União Federal. Logo, os efeitos dessa decisão
circunscrevem-se, sob a perspectiva subjetiva, às partes da referida
relação jurídica processual, e sob o prisma objetivo não implica a
supressão das normas inconstitucionais do ordenamento, mas apenas o
reconhecimento do direito subjetivo ao crédito-prêmio. Quando muito,
poder-se-ia dizer que após a decisão do STF não mais prevalece (ou
sofreu profundo abalo) a presunção de constitucionalidade que protegia
os citados decretos-lei, provocando também forte influência em juízes e
tribunais, seja na concessão de medidas liminares, seja no que respeita
à apreciação do mérito.
É
fato que a decisão que proclama a inconstitucionalidade de determinado
preceito produz efeitos "ex tunc, na medida em que defeito desse
jaez constitui vício congênito que o contamina desde sua origem até que
norma ulterior o pronuncie. Dessa ilação decorre que o preceito revogado
pela regra inconstitucional retoma os atributos da existência, validade
e eficácia, até que outra norma os infirme, conforme lição de Paulo
Roberto Lyrio Pimenta (18):
A pronúncia de inconstitucionalidade importa
na declaração da invalidade da norma jurídica (inconstitucional).
Considerando que esta é invalida desde a sua origem, não tem aptidão
para modificar a ordem jurídica, não podendo revogar a norma antecedente
que versava sobre idêntica matéria. Disso decorre que a decisão de
inconstitucionalidade implica na repristinação da norma revogada, não se
aplicando a essa situação a regra do art. 2º, § 3º, da Lei de Introdução
ao Código Civil.
No
que tange aos efeitos da pronúncia de invalidade, a Lei 9.868, de 10 de
novembro de 1999, em seu artigo 27, dispõe que ao declarar a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões
de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o
Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros,
restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha
eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que a
venha a ser fixado. Todavia, essa novel regra não é aplicável ao tema,
seja porque a pronúncia ocorreu em sede de controle difuso, seja porque
de fato o STF não restringiu os efeitos de sua decisão.
Em
se tratando de situação em que a pronúncia de inconstitucionalidade
deriva de vício material, as demais regras ou partes do ato normativo
não atingidas pelos efeitos da decisão judicial permanecem integras e
eficazes. Já quando se trata de vício formal o ato legislativo como um
todo carrega consigo a pecha da inconstitucionalidade. Então, o defeito
de parte (uma regra inteira ou um trecho dela) do texto legislativo não
implica a extensão dos efeitos da pronúncia para o restante.
(19) Estão preservados, assim, os demais preceitos constantes do
Decreto-lei 1.724/79, com ênfase para a regra que manteve o incentivo
(artigo 3°, inciso I). Não bastasse isso, o artigo 1º do Decreto-lei
1.894/81 "restabeleceu" o estímulo sem definição de prazo. A esse
respeito, o STJ tem jurisprudência pacífica:
Processual Civil Agravo Regimental no Agravo
de Instrumento. Crédito-prêmio. IPI. Momento. Extinção. Matéria
pacífica.
Inviável o recurso especial que visa discutir
matéria já pacificada no âmbito desta Corte, no sentido de que com a
declaração de inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 1724/79, também
restaram inaplicáveis os Decretos nºs 1.722/79 e 1.658/79, os quais eram
referidos pelo primeiro diploma. Dessa forma, é aplicável o Decreto-Lei
491/69, expressamente mencionado no Decreto-lei 1.894/81, que restaurou
o benefício do crédito-prêmio do IPI, sem definição de prazo.
Precedentes. Agravo regimental improvido. (20)
Depreende-se,
pois, que conquanto o STF tenha reconhecido a inconstitucionalidade da
delegação de competência ao Ministro de Estado no que se refere à
possibilidade de extinguir o direito ao crédito-prêmio, o que significa
dizer que é inválida e ineficaz a Portaria 960/79 que promoveu a
supressão do incentivo, a realidade é que a norma em tela continua
existindo e gerando efeitos, a despeito do abalo da presunção de sua
validade. Segue-se que enquanto não advier norma estendendo os efeitos
da decisão proferida em sede de controle difuso, aquele que desejar o
reconhecimento do direito à subvenção deve procurar a tutela do Poder
Judiciário.
Editada
norma a respeito da matéria dotada de eficácia "erga omnes", aí sim se
poderá dizer que a declaração do vício aproveitará a todos. Marco
Aurélio Greco e Helenilson Cunha Pontes (21) assinalam que no
âmbito federal podem ser utilizados os seguintes veículos normativos
visando atribuir eficácia geral às decisões proferidas pelo STF em sítio
de controle difuso:
a) uma Resolução do Senado suspendendo a
execução da lei, nos termos do inciso X do artigo 52 da CF/88;
ou
b) um ato de caráter geral que reconheça a
inconstitucionalidade e estenda, a todos os contribuintes que se
encontram na mesma situação que a declarou. É o caso de Decreto do
Presidente da República, de Parecer da Procuradoria Geral da Fazenda
Nacional e de Súmula da Advocacia Geral da União. (22)
Como
nenhum desses instrumentos foi utilizado até o momento, deve-se
considerar que o Decreto-lei 1.724/79 e a Portaria que suprimiu o
direito ao crédito-prêmio existem e estão produzindo os efeitos que lhe
são ínsitos. Aquele que desejar usufruir do incentivo deverá buscar a
tutela jurisdicional ou requerer junto à Administração Pública e
aguardar eventual decisão denegatória, para então promover a demanda
judicial adequada. Por motivos óbvios, o mesmo deverá ser feito no que
tange à delegação de competência promovida pelo artigo 3º, inciso I, do
Decreto-lei 1.894/81, uma vez que o STF sequer se manifestou a seu
respeito.
Os
meios procedimentais e processuais disponíveis ao particular, como
também os prazos decadenciais e prescricionais serão abordados
oportunamente.
4.O artigo 41 do ADCT
Antes
do estudo das regras-matrizes do direito ao crédito-prêmio de IPI, é
necessária a análise do artigo 41 do ADCT, na medida em que há
entendimentos (23) de que esse preceito teria extinto os
incentivos fiscais de ordem setorial (dentre eles o crédito-prêmio do
IPI) que não tivessem sido confirmados por lei:
Art. 41. Os Poderes Executivos da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios reavaliarão todos os
incentivos fiscais de natureza setorial ora em vigor, propondo aos
Poderes Legislativos respectivos as medidas cabíveis.
§ 1º. Considerar-se-ão revogados após dois
anos, a partir da data da promulgação da Constituição, os incentivos que
não forem confirmados por lei.
§ 2º. A revogação não prejudicará os direitos
que já tiverem sido adquiridos, àquela data, em relação a incentivos
concedidos sob condição e com prazo certo.
§ 3º. Os incentivos concedidos por convênio
entre Estados, celebrados nos termos do artigo 23, § 6º, da Constituição
de 1967, com a redação da Emenda nº 1, de 17 de outubro de 1969, também
deverão ser reavaliados e reconfirmados nos prazos deste
artigo.
Impõe-se
ressaltar, de início, que regra veiculada por meio do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórios, a despeito de não serem
vocacionadas a permanecer por tempo indeterminado, tem a mesma
autoridade e eficácia de norma contida no texto constitucional
permanente (24). Trata-se, portanto, de preceito
constitucional.
A
questão prejudicial às demais que se põe é a seguinte: o artigo 41 do
ADCT referiu-se aos incentivos fiscais estrito senso, quer dizer,
àqueles que implicam mudanças ou mutilações na regra-matriz de
incidência tributária ou mesmo a redução da prestação tributária, ou se
referiu a algo mais abrangente, abarcando também os estímulos
financeiros. A rigor, o conceito jurídico de incentivo fiscal
encontra-se positivado, ainda que sua edificação exija um esforço de
sistematização. E tal obra foi realizada pela inteligência de Souto
Maior Borges, Geraldo Ataliba e Celso Antonio Bandeira de Melo. De fato,
os estímulos financeiros não se incluem no conceito de incentivo fiscal,
na medida em que as categorias com as quais as subvenções laboram não
pertencem ao direito tributário. E o crédito-prêmio do IPI não foge a
essa regra, visto que constitui uma subvenção, e a subvenção é um
instituto de direito financeiro (25).
Outra
demonstração de que o artigo 41 do ADCT não se aplica ao crédito-prêmio
do IPI – dado que se trata de subvenção – está em que a Constituição de
1988 utilizou a locução "incentivo fiscal" justamente no âmbito do
sistema tributário nacional, para limitar a competência da União.
Deveras, o artigo 151, inciso I, da Constituição Federal, ao proclamar o
princípio da uniformidade geográfica, permite "a concessão de incentivos
fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento
sócio-econômico entre as diferentes regiões do País".